Manejo Integrado de Pragas promove cafeicultura sustentável
As lavouras de cafeeiro hospedam poucas espécies de pragas, sendo que a grande maioria dos artrópodes (insetos, ácaros, aranhas, por exemplo) encontrados nas lavouras de cafeeiro são considerados benéficos, e só algumas poucas espécies podem ser consideradas como pragas. Entre essas poucas espécies de pragas, uma parte delas – como alguns ácaros, o bicho-mineiro e a broca-do-café – podem eventualmente causar prejuízos econômicos ao produtor e ainda à qualidade da bebida. Em decorrência do emprego de defensivos para controlá-los, há também prejuízos socioambientais e à saúde da população e aumento de custos na produção.
Os métodos de controle mais eficazes dessas pragas, no sentido real do termo, são os que usam os princípios do Manejo Integrado de Pragas (MIP), ou seja, aliam o manejo químico e biológico, entre outros, em prol da preservação no agroecossistema, usando defensivos como último recurso, somente no momento certo para cada praga e de forma controlada, seletivos aos artrópodes não alvos, preservando os inimigos naturais das pragas e favorecendo seu controle.
Desde a criação, em 1997, do Consórcio Pesquisa Café, cujo programa de pesquisa é coordenado pela Embrapa Café (Unidade da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária – Embrapa, vinculada ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento – Mapa), projetos têm sido conduzidos com essa visão integrada e ecológica do manejo das pragas. Reflexo disso foi a inauguração, em 2000, do Centro de Pesquisa em Manejo Ecológico das Pragas e Doenças de Plantas Cultivadas – EcoCentro, sendo o café sua cultura-chave.
O EcoCentro reuniu equipe de pesquisadores da Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais – Epamig, instituição participante do Consórcio, que trabalhavam há décadas com esse pensamento e ainda permitiu estabelecimento de parceria com pesquisadores de outras instituições consorciadas, como a Universidade Federal de Lavras – Ufla, o Instituto Mineiro de Agropecuária – IMA e a Embrapa Café. Hoje os projetos do EcoCentro abarcam principalmente o Sul de Minas e Alto Paranaíba, regiões onde são mais relevantes as infestações por pragas como ácaros, o bicho-mineiro e a broca-do-café.
Segundo o pesquisador da Embrapa Café Mauricio Sergio Zacarias, que trabalha no EcoCentro desde 2003, esses projetos têm em comum uma visão mais abrangente do agroecossistema da lavoura e a busca de uma solução não imediatista para o problema, mas sim duradoura, de efeitos contínuos. Nessa linha, a multidisciplinaridade é fundamental. “Olhar o entorno, a propriedade e a lavoura, o lado socioeconômico, cultural e químico da questão e suas consequências. Hoje estima-se que cerca de 15% do custo da produção de café é devido aos gastos com o controle químico de pragas. Levando em consideração que o Brasil é o maior consumidor de produtos fitossanitários do mundo, a tendência em pender por essa via é forte e tardia, se pensarmos em países mais avançados socioeconomicamente. Estamos tentando fazer o contraponto, mas falta apoio para os pesquisadores da área. Trabalhamos por essa mudança de consciência”, diz.
Manejo Integrado de Pragas do Cafeeiro (MIP Café) – O pesquisador explica que o MIP tem base em pesquisas de táticas de manejo ecológico das pragas que utilizam ao máximo a ação benéfica dos inimigos naturais, pois reconhece que o próprio agroecossistema possui um complexo desses organismos benéficos que controlam pragas e doenças, reduzindo perdas econômicas sem causar danos à saúde humana e ao ambiente. “No Manejo Integrado de Pragas, pode-se eventualmente vir a se dispensar totalmente o uso de produtos fitossanitários. Esse sistema é chave para a produção organomineral, ou seja, produção na qual tais produtos são dispensáveis (se diferencia da produção orgânica por utilizar o manejo racional de fertilizantes), e também no processo de transição para o sistema orgânico de produção”.
Zacarias acredita que essas formas de condução da lavoura ensinam a conviver e tolerar a presença de pragas (insetos, ácaros e plantas daninhas), doenças e danos que provocam enquanto não representam prejuízo econômico. “Essa tolerância tem o objetivo de preservar a ação do meio ambiente, principalmente dos inimigos naturais, permitindo que se tornem mais eficientes, aliado à capacidade de recuperação natural das plantas”, pondera o pesquisador.
Ácaros do cafeeiro – Entre as centenas de espécies de ácaros que vivem e convivem no agroecossistema cafeeiro, há muito mais espécies de ácaros predadores que pragas. Somente o ácaro-vermelho e o ácaro-branco podem vir a causar danos diretos e o ácaro-da-mancha-anular indiretos, por meio da transmissão de doenças.
Segundo o pesquisador da Embrapa Café Mauricio Sergio Zacarias e pesquisadores da Epamig Paulo Rebelles Reis, Rogério Antônio Silva e Júlio César de Souza, o ácaro-vermelho, ao se alimentar das folhas do cafeeiro, causa perda do brilho da folha, péssimo aspectos às plantas e até desfolhamento. São pragas típicas de períodos de seca, com estiagem prolongada. “A preservação e o aumento das espécies de ácaros predadores são importantes para a manutenção do controle biológico desses ácaros e, se necessário, o controle químico com aplicação de defensivos deve ser feito com acaricidas específicos ou inseticidas-acaricidas seletivos. O uso em excesso de defensivos para outras pragas ou doenças pode ocasionar a resistência e/ou ressurgência desses ácaros”, explica Rebelles.
Sobre o ácaro-da-mancha-anular, os pesquisadores afirmam ser uma espécie comum e amplamente disseminada. Aparece em todas as regiões cafeeiras do País, sendo que sua importância é devida à transmissão do vírus causador da doença virótica mancha-anular. A severidade dessa doença é maior nas áreas de Cerrado, sendo muito relevante e demandando constante vigilância na região do Alto Paranaíba de Minas Gerais. A doença se caracteriza por causar manchas em formato de anel nas folhas, ramos e frutos das plantas e consequente queda das folhas e redução na qualidade do café. “Também nessa espécie de praga percebe-se a ocorrência de inimigos naturais, como ácaros predadores. O controle químico deve ser feito somente quando necessário e nas reboleiras, característica da infestação do ácaro, e com produtos fitossanitários seletivos aos ácaros predadores, priorizando-se o Manejo Integrado dessa espécie de ácaro”, completa o pesquisador.
Já o ácaro-branco ataca folhas e ramos ou folhas novas em condições de alta umidade relativa, uma condição típica em viveiros. Sua importância reside na má formação das mudas nos viveiros.
Bicho-mineiro – É a principal e a mais disseminada praga do cafeeiro e tem esse nome por minar as folhas da planta. Tem ocorrência generalizada em Minas Gerais, tendo chegado ao Brasil junto com o café, da África. Pesquisadores afirmam que essa praga aparece principalmente em longos períodos de estiagem e baixa umidade; depois do uso excessivo de fungicidas cúpricos ou alguns inseticidas; em áreas de espaçamento muito abertas ou muito ensolaradas e onde há presença de cobertura morta, cultura intercalar ou mato nas ruas e ainda adubações e tratos insuficientes.
Há várias formas de manejo dessa praga, entre elas o cultural, com a utilização de quebra-ventos, ou arborização com leguminosas, que reduzem as infestações da praga. Segundos Reis e Souza, “o controle biológico do bicho mineiro existe naturalmente podendo ser realizado por parasitoides (pequenas vespas) e/ou predadores (vespas, marimbondos), que procuram nas lesões das folhas do cafeeiro, lagartas do bicho-mineiro para parasitar ou delas se alimentar. A eficiência dos predadores é de cerca de 70%, enquanto que a dos parasitas é de 18%. A utilização de controle químico para complementação torna-se necessária somente quando 30% (Sul de Minas) ou 20% (Triângulo mineiro) das folhas apresentarem minas intactas e com lagartas vivas”.
Estudos realizados por esses pesquisadores do Consórcio Pesquisa Café mostram que, em ataques mais severos, cerca de 60% das folhas atacadas caem e, independente do tamanho da lesão, todas as folhas atacadas tem sua eficiência fotossintética bastante reduzida. Dessa forma, dependendo da intensidade de infestação, podem ocorrer de 30 a 80% de prejuízos na produção.
Broca-do-café – De ocorrência mais generalizada no Paraná, na Zona da Mata de Minas Gerais e nas regiões de produção de Conilon, pode ser considerada atualmente a segunda principal praga da cafeicultura de arábica e a principal praga do Conilon. Juntamente com o bicho-mineiro, são consideradas as pragas-chave no Manejo Integrado de Pragas do Café (MIP Café).
A broca causa dano direto no produto final da lavoura – os frutos do cafeeiro – reduzindo a produtividade (seja por frutos caídos ou perda de peso) e a qualidade da bebida. Sem manejo adequado, a broca permanece nos frutos úmidos remanescentes da colheita, nos que ficam nas plantas ou sobre o solo, causando infestação na safra seguinte, com consequente redução do peso dos grãos, queda dos frutos e redução da qualidade do café.
Na natureza, conforme ensinam os pesquisadores do Consórcio, já existem inimigos naturais de pragas como a broca, muitos deles em estudo e testes, como a vespa-de Uganda, a vespa-da-Costa-do-Marfim, vespa-do-Togo, a formiga Crematogaster curvispinosus e os fungos Beauveria bassiana e Metarhizium anisopliae. Segundo os estudiosos, esse fato combinado a práticas de manejo ecológico se aliam na prevenção e no controle dessa praga, evitando ou mesmo diminuindo consideravelmente o uso de produtos fitossanitários nas lavouras de café.
Entre as práticas recomendadas pelos pesquisadores está o plantio dos cafezais em espaçamentos que permitam arejamento e penetração de luz para propiciar baixa umidade do ar em seu interior. A colheita de café deve ser muito bem feita, limpa, devendo ser evitado que fiquem frutos nas plantas e no chão, nos quais a broca poderá sobreviver na entressafra, principalmente se for chuvosa. Outra recomendação é que, após a colheita, caso tenham ficado muitos grãos nas plantas e no chão, se faça o “repasse” ou catação dos frutos remanescentes da colheita. É importante também, segundo os pesquisadores, monitoramento sistemático das lavouras irrigadas, pois devido à umidade têm mais facilidade de infestação.
“Mais do que a criação de um produto biológico, uma tecnologia, nós buscamos trabalhar a sustentabilidade do agroecossistema, a paisagem, com ações de prevenção e conscientização. Isso implica mudança de comportamento do agricultor na condução de seu trabalho, que precisa geralmente investir num trabalho de um a dois anos para perceber e compreender que os resultados valem a pena” ressalta Zacarias.
EcoCentro – Coordenado pelo pesquisador Paulo Rebelles Reis, tem como objetivo pesquisar e difundir princípios e práticas de controle de pragas (artrópodes e plantas daninhas) e doenças de forma ecológica. Propõe ainda o emprego de insumos e energias de forma racional para obtenção de uma rentabilidade sustentável com um mínimo de impacto ambiental.
Consórcio Pesquisa Café – O Brasil desenvolve o maior programa mundial de pesquisas em café, o Programa Pesquisa Café, coordenado pela Embrapa Café. Essa rede integrada de pesquisa é possível graças ao Consórcio Pesquisa Café, que reúne dezenas de instituições brasileiras de pesquisa, ensino e extensão estrategicamente localizadas nas principais regiões produtoras do País. Seu modelo de gestão incentiva a interação entre as instituições e a união de recursos humanos, físicos, financeiros e materiais, que permitem elaborar projetos inovadores. A evolução da cafeicultura brasileira, ao longo dos últimos anos, comprova a importância dos trabalhos de pesquisa.
Esse arranjo institucional atua em todos os segmentos da cadeia produtiva, tendo por base a sustentabilidade, a qualidade, a produtividade, a preservação ambiental, o desenvolvimento e o incentivo a pequenos e grandes produtores. Hoje reúne mais de 700 pesquisadores de cerca de 40 instituições, envolvidos em 74 projetos dos quais fazem parte 355 Planos de ação.
Foi criado por iniciativa de dez instituições ligadas à pesquisa e ao café: Empresa Baiana de Desenvolvimento Agrícola – EBDA, Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária – Embrapa, Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais – Epamig, Instituto Agronômico – IAC, Instituto Agronômico do Paraná – Iapar, Instituto Capixaba de Pesquisa, Assistência Técnica e Extensão Rural – Incaper, Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento – Mapa, Empresa de Pesquisa Agropecuária do Estado do Rio de Janeiro – Pesagro-Rio, Universidade Federal de Lavras – Ufla e Universidade Federal de Viçosa – UFV.
As pesquisas do Consórcio Pesquisa Café contam com o apoio e o financiamento do Fundo de Defesa da Economia Cafeeira – Funcafé, do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento – Mapa.
As informações são do CNC, adaptadas pela Equipe CaféPoint.
Fonte: Portal Café Point